Maximino Giraud
Maximino Giraud nasceu em Corps, a 26 de agosto de 1835. Era o quarto filho de Ana Maria Templier e de Germano Giraud, um pobre fabricante de carroças, ambos naturais da região. Entre os filhos havia uma menina, Angélica. Maximino tinha um ano e meio de idade quando, a 11 de janeiro de 1837, sua mãe morreu. Pouco depois da morte da esposa, Giraud casou novamente. A madrasta, porém, não nutria afeição alguma para com Maximino, apesar da natural simpatia do garoto. Tratava-o mal. O mal-amado passaria fome se não fosse a solidária partilha de alimento que seu meio-irmão, filho do pai com a madrasta, lhe prestava. O pai, por sua vez, não dava maior atenção a Maximino. Vivia seu tempo entre a oficina e o bar.
O menino foi crescendo sem rumo, vagando pelas ruas da cidade, acompanhado de uma cabra e do cãozinho Lulu, seus grandes amigos. Corria atrás de diligências e cavaleiros que transitavam por Corps, pequena cidade situada junto a importante via de comunicação com o Sudeste da França. A família mal estruturada não deu a Maximino a afeição e a orientação de que precisava em sua infância para a formação de sua personalidade. Não frequentava escola nem catecismo. Não sabia rezar o Pai Nosso por inteiro. Analfabeto, mas, esperto, de bom coração, franco, tagarela, Maximino tinha um olhar expressivo e um modo simpático de ser. Sem malícia, descuidado, irrequieto, era apelidado de “movimento perpétuo”. Fisicamente subdesenvolvido e intelectualmente mediano. Falava o “patois”, dialeto da região. Sabia poucas palavras de francês. Assim viveu Maximino até seus onze anos de idade, quando recebeu a graça imensa de ver a “Bela Senhora”, conforme ele dizia.
A 13 de setembro de 1846, o domingo anterior à Aparição, Pierre Selme, morador de Ablandins, uma aldeia do Município de La Salette, e amigo de Giraud, desceu a Corps para solicitar ao pai de Maximino os bons serviços do menino por alguns dias. Precisava substituir um pastor seu que estava adoentado. O pai de Maximino relutou em aceitar o pedido do amigo. Receava a irresponsabilidade de Maximino. Com a promessa de vigiar de perto o menino, Pierre Selme teve seu pedido atendido.
No dia 14 de setembro, Maximino subiu o Monte Planeau juntamente com o patrão Pierre Selme, para conhecer o local onde o pequeno rebanho de que cuidaria, iria pastar. Na tarde da quinta feira, dia 17 de setembro, inesperadamente se encontrou com Melânia Calvat que pastoreava no alto do Monte Planeau. Não se conheciam. Trocaram raras palavras e cada um partiu com seu rebanho. No dia seguinte encontraram-se novamente na montanha. Deram-se, então, a conhecer melhor. Tomando conhecimento de que ambos eram naturais de Corps, a conversa fluiu mais espontaneamente, apesar da grande timidez de Melânia. Despediram-se fazendo uma aposta sobre quem seria o primeiro a chegar às pastagens com o respectivo rebanho, na manhã seguinte, 19 de setembro, dia em que, juntos, viram a “Bela Senhora”, no alto da Montanha da Salette.
Durante a Aparição, enquanto a Bela Senhora lhes dirigia a Mensagem, Maximino, irrequieto, fazia girar o chapéu na ponta do cajado de pastor, e brincava com as pedrinhas junto aos pés da Bela Senhora. No entanto, gravou com precisão e por toda a vida as palavras de Maria em sua Aparição. Tinha respostas prontas e surpreendentes quando os inquisidores queriam levá-lo a contradições sobre o que havia visto e ouvido na Aparição.
No dia seguinte à Aparição, Maximino voltou para a casa de seu pai, em Corps. Por graça do Pároco, Padre Mélin, e com a ajuda financeira de Dom Philibert de Bruillard, Bispo de Grenoble, foi admitido ao Colégio das Irmãs da Providência, na cidade natal. Como semi-interno, estudou ali durante quatro anos. Aprendeu a ler, a escrever e a falar o francês enquanto se preparava para a 1ª Comunhão e a Crisma.
Os peregrinos e curiosos, no entanto, não o deixavam tranquilo. Com frequência subia a Montanha da Aparição em companhia dos visitantes, interessados em conhecer o evento por ele sempre minuciosamente descrito. A todos repetia com extrema fidelidade a narrativa da Aparição. Nesse contexto, alguns iluminados partidários da Casa Real da França, destronada pela Revolução Francesa, e seguidores de um falso “barão de Richemont”, pretenso filho do Rei Luis XVI e alegado pretendente do trono francês, procuravam manipular o vidente para seus próprios interesses políticos. Eram pessoas impregnadas de espírito esotérico, apocalíptico, carregadas de curiosidade malsã por profecias e segredos de todo tipo. Queriam conhecer o conteúdo do propalado “segredo da Salette”, crentes de que poderia servir a seus intentos políticos. Maximino, no entanto, percebendo a malícia deles, não lhes dava a resposta desejada. Nem ele nem Melânia jamais revelaram o “segredo”, isto é, a verdadeira “palavra pessoal” que cada um, separadamente e secretamente, recebeu da Bela Senhora.
Contra o conselho de Padre Mélin, Pároco de Corps, e as ordens do Bispo de Grenoble, Dom Philibert de Bruillard, mas, forçado pelo Tio Templier e pelos demais interesseiros políticos, Maximino foi conduzido a Ars, a 22 de setembro de 1850. O intento dos exploradores de Maximino era obter do Santo Cura D´Ars que desvendasse o “segredo da Salette” a favor dos escusos fins políticos que buscavam. Maximino, um adolescente de quinze anos de idade, mal suportava a companhia deles. Levado pelo desejo de conhecer outros lugares além de Corps, e cansado das pressões sofridas, o jovem acompanhou o grupo. Em Ars foram recebidos pelo intempestivo Padre Raimundo, Coadjutor da Paróquia. O Padre recebeu Maximino com atitudes agressivas. Tratou-o de mentiroso. Para ele, o evento da Salette não passava de trapaça.
Durante a manhã de 25 de setembro de 1850, o Cura d´Ars encontrou-se rapidamente por duas vezes com Maximino. O adolescente irritado queria obter do Pároco uma orientação sobre sua vocação, pois alimentava o desejo de se tornar sacerdote. O Pároco lhe perguntou se havia visto Nossa Senhora. Maximino furtivamente lhe respondeu que vira uma “Bela Senhora” na Aparição da Salette, mas que não sabia que era Nossa Senhora. O Santo mal compreendeu a resposta do vidente e concluiu que ele estava se desmentindo. O incidente, resultado de certa imprudência de Maximino e de má compreensão por parte do Cura d´Ars, resultou num sofrimento muito grande para o Santo Cura que durante anos passou a duvidar do Fato da Salette quando, antes, era fiel devoto seu. Contudo, depois que Dom Philibert de Bruillard, por seu Mandamento de 19 de setembro de 1851, declarou a veracidade da Aparição, o Santo recuperou a paz de espírito e a fé na Aparição.
Maximino, depois, mesmo afirmando que jamais se havia desmentido, teve dificuldades em justificar a resposta irrefletida, dada ao Santo Cura.
Em outubro de 1850, Maximino entrou no Seminário Menor de Rondeau, perto de Grenoble. Poucos meses depois, em julho de 1851, Maximino e Melânia, a pedido de Dom Philibert de Bruillard, puseram por escrito o suposto “segredo” recebido separadamente por eles na Aparição. O Bispo, pressionado por certas circunstâncias que o preocupavam, queria que o “segredo” fosse comunicado ao Papa Pio IX antes que caísse em mãos interesseiras. Foi um momento difícil para os dois videntes. Os escritos de ambos foram levados sigilosamente ao Vaticano.
Em 1856 o jovem Maximino passou para o Seminário Maior dos Jesuítas em Landes, para estudar Filosofia. Instável, desistiu depois algum tempo. Em 1859 foi a Paris para estudar medicina. Trabalhou por algum tempo no Hospital de Vésinet. Apesar da conduta irrepreensível, deixou o trabalho por falta de capacidade. Sem emprego, viveu na miséria. Durante alguns meses viveu pelas calçadas de Paris, sem amigos. O casal Jourdain finalmente veio em seu auxílio, mas, sem suprir todas as necessidades. Desencantado, o frustrado estudante de Medicina desistiu de seus estudos de Medicina e voltou a Corps em 1864.
Em sua cidade natal, mal ganhava a vida como comerciante de objetos religiosos e licores de ervas medicinais das montanhas, numa precária sociedade com um amigo que o explorou. Acabou endividado. Pediu auxílio aos Missionários de Nossa Senhora da Salette que atendiam o Santuário da Montanha da Aparição em fase final de construção. Nesse período, o casal Jourdain assegurava-lhe certa estabilidade e pagava as dívidas de Maximino a ponto de o próprio casal entrar em falência.
Em 1865 viajou para a Itália, com a ajuda de amigos. Estando em Roma, por interferência de seu amigo, o Cardeal Villecourt, Maximino foi admitido no Corpo da Guarda Pontifícia onde serviu por poucos meses.
Voltou a Corps onde, em 1866, publicou um opúsculo: -"Minha profissão de fé a respeito da Aparição de Nossa Senhora de La Salette", na plena fidelidade à sua “Bela Senhora”. Em 1870, durante a Guerra entre a França e a Prússia, foi convocado para servir no Forte Militar de Barraux, em Grenoble. Mensalmente procurava um Missionário Saletino para se confessar. No começo de 1874 contraiu uma doença grave. Tendo amainado a doença, em novembro de 1874 subiu pela última vez a Montanha da Salette. Comungou e diante de um auditório particularmente atento e comovido, fez mais uma vez a narrativa da Aparição como o fizera desde o dia da Aparição. Foi sua última narrativa.
Após o período militar em Grenoble, voltou a Corps e a 1º de março de 1875 confessou-se e recebeu os Santos Sacramentos. Logo após a partida do Padre que o atendeu, deu o último suspiro. Problemas de coração o levaram à morte, aos quarenta anos de idade. Apesar de sua instabilidade pessoal, viveu uma vida edificante, de cristão íntegro e solidamente apegado a Nossa Senhora. Guardava em seu coração um terno e profundo amor à Bela Senhora da Aparição. Diariamente rezava o terço em sua honra. Não casou e a alguém que o criticava por isso, respondeu: “Depois que vi a Santa Virgem, não posso me apegar a nenhuma outra pessoa sobre a terra”. Ele mesmo reconhecia que não era modelo de vida, como afirmou ao descrever, um dia, o final da Aparição: “Ela se elevou e desapareceu, e me deixou com todos os meus defeitos”.
Seus restos mortais repousam no cemitério de Corps. Seu coração, depois de embalsamado, foi deposto em local especial dentro da Basílica de La Salette, ao lado do altar mor. Foi sua última vontade. Queria assim marcar seu fiel amor à Bela Senhora da Salette como havia escrito em seu testamento: - "Creio firmemente, mesmo ao preço de meu sangue, na célebre Aparição da Santíssima Virgem sobre a Santa Montanha de La Salette, a 19 de setembro de 1846. Aparição que defendi por palavras, por escritos e por sofrimentos... Com estes sentimentos dou meu coração a Nossa Senhora de La Salette".
Melânia Calvat
Melânia nasceu em Corps, a 7 de novembro de 1831. Tinha quatro anos a mais que Maximino. Seu pai, Pierre Calvat, homem rude, serrava madeiras. Dada sua enorme pobreza, aceitava, porém, qualquer serviço para garantir a sobrevivência da numerosa família. Com a esposa Julie Barnaud teve dez filhos. Melânia era a quarta. As crianças muitas vezes se viam obrigadas a mendigar pelas ruas de Corps. O clima familiar era pesado. Tolhia o necessário equilíbrio afetivo das crianças.
Desde os sete ou oito anos de idade, Melânia era posta a serviço de famílias da região, para ganhar o pão de cada dia, durante a primavera e o verão. Prestava serviços domésticos ou cuidava de pequenos rebanhos pelas montanhas da região. Durante o outono e inverno, vivia na casa dos pais onde tudo faltava. Uma experiência de verdadeira afeição e proteção familiar não lhe foi concedida em sua infância, carência que teve suas consequências na vida de jovem e adulta. Longe de casa, não podia frequentar nem escola nem catecismo. Não sabia ler nem escrever. Não havia aprendido a rezar o Pai Nosso e a Ave Maria por completo. Em sua reduzida capacidade intelectual, falava apenas o “patois”, o dialeto regional. Conhecia apenas algumas palavras do francês. Sua ignorância antes de 1846 era inegável, segundo testemunhas.
Melânia tinha um caráter difícil. Tímida, introvertida, teimosa, contrariava-se facilmente. Seus muitos sofrimentos a fizeram assim. Tinha feições delicadas, apesar de subdesenvolvida fisicamente. Era muito modesta, pura, mas de poucos modos. Por causa da diferença de idade entre Melânia e Maximino, e das constantes ausências fora de Corps por parte de Melânia, ambos, apesar de conterrâneos, não se conheciam. Semelhantes na pobreza eram inteiramente diferentes no caráter.
Entre a primavera e o verão de 1846, Melânia encontrava-se em Ablandens, um pobre vilarejo pertencente ao Município de La Salette. Como pastora, estava a serviço da família de Jean-Baptiste Pra, um vizinho de Pierre Selme a quem Maximino servia naquela ocasião. O patrão de Melânia dizia que ela era desleixada em suas orações, e descuidada a ponto de não se importar em apanhar chuva ou permanecer com a roupa molhada. Às vezes passava a noite no relento ou no estábulo junto ao rebanho sob seus cuidados.
Na tarde de 19 de setembro de 1846, Melânia, juntamente com Maximino, teve a graça de ver, no alto da Montanha da Salette, a Bela Senhora. A experiência extraordinária marcou definitivamente a vida de ambos. Guardaram cuidadosamente em seu coração a Mensagem de Nossa Senhora, apesar da grande fragilidade humana de ambos. Melânia tinha quinze anos por ocasião do evento maravilhoso
Depois da Aparição, a pastora permaneceu em Ablandens, sempre a serviço de Jean-Baptiste Pra. No dia 15 de dezembro de 1846 voltou para junto de sua família em Corps. Se muito havia sofrido antes da Aparição, mais ainda sofreria depois, por causa da Aparição.
Com Maximino, foi admitida ao Colégio das Irmãs da Providência de sua cidade natal. Passava o dia na escola e à noite voltava para o seio da família. No Colégio permaneceu por quatro anos. Aprendeu a ler e escrever, com grande dificuldade. Apesar de colegas, os dois pastores videntes não tinham maior simpatia mútua. Apesar da grande dedicação das Irmãs do Colégio para com os dois, a educação de ambos era uma tarefa difícil. Além do ensino, importava ajudá-los a que evitassem o envaidecimento por causa do evento, e a exploração por parte de interesseiros. Aprendiam a ser discretos. Carregados de defeitos, tinham belas qualidades. Melânia, particularmente, era alvo de admiração. A Diretora do Colégio, Irmã Santa Tecla, esforçava-se para incutir na pastora um espírito de humildade.
Melânia e Maximino receberam a 1ª Comunhão a 7 de maio de 1848. A pastora tinha então 16 anos e meio. A 25 de junho de 1850, ambos foram crismados em Corps. Nesse tempo, Melânia, tanto quanto Maximino, subiam com frequência até o local da Aparição, em companhia de peregrinos a quem incansavelmente repetiam a narrativa do grande evento. Pouco tempo depois, em 1850 ainda, ambos deixaram o Colégio e partiram de Corps, cada um seguindo seu rumo na vida. Nunca mais viveram próximos um do outro. Distantes entre si mantinham, no entanto, plena fidelidade ao Fato da Salette e amor incondicional à Bela Senhora.
Melânia, em sua timidez, desejando tornar-se Religiosa, foi encaminhada como postulante, a um Convento das Irmãs da Providência situado em Corenc, próximo a Grenoble. Era o mês de outubro de 1850. Um ano mais tarde, recebeu o hábito e entrou no Noviciado na mesma Congregação. Depois recebeu a missão de cuidar de um grupo de crianças na Escola das Irmãs. Severa e melancólica manifestava apego às próprias ideias. Era excêntrica, embora piedosa, mortificada. Preferia estar sozinha. As Irmãs estavam preocupadas com sua tendência para uma autoimagem inflada. Seu nome de Religiosa era Irmã Maria da Cruz.
Nesse momento Melânia sofria a influência de pessoas visionárias e impregnadas de ideias apocalípticas que desejavam saber do “segredo da Salette” e interpretá-lo segundo os interesses político-religiosos que alimentavam. Era transformada em objeto de atenção e de condescendência por parte de admiradores. Melânia já elaborava um modo de pensar em chave apocalíptica e se atinha às próprias opiniões. O novo Bispo de Grenoble, Dom Ginoulhiac, embora reconhecendo a piedade e o devotamento de Melânia, decidiu não admiti-la aos votos religiosos. Em sua Instrução Pastoral e Mandamento de 4 de novembro de 1854, o Bispo afirmou que era “para formá-la mais eficazmente na prática da humildade e da simplicidade cristãs, que são a proteção necessária e mais segura contra as ilusões da vida interior”. Melânia se sentiu fortemente contrariada com a recusa da admissão aos votos religiosos, e alimentou, pela vida afora, sério ressentimento contra Dom Ginoulhiac.
Desde então Melânia deixou entrever claramente a tendência pessoal para uma leitura apocalíptica dos acontecimentos, com previsão de hecatombes que atingiriam o mundo, a França e a própria Igreja. Essa mentalidade a marcou pelo resto da vida. Dando crédito a previsões catastróficas, ela passou a reler o “segredo” que recebeu da Bela Senhora nessa perspectiva, redigindo discretamente alguns pequenos textos a respeito. Mais tarde firmaria essa releitura em textos mais longos.
A 6 de julho de 1851, estando em Corenc, depois de insistências de Dom Philibert que se sentia pressionado por circunstâncias alheias à própria vontade, Melânia redigiu uma carta com seu “segredo”, carta enviada com a de Maximino, ao Papa Pio IX. Supunha-se que os escritos de ambos contivessem o real “segredo da Salette”, recebido separadamente e em sigilo por cada um dos videntes durante a Aparição. Lacradas, as duas cartas foram imediatamente levadas a Roma e guardadas nos Arquivos do Vaticano. As cartas conteriam verdadeiramente a “palavra pessoal” ou “segredo” dado por Nossa Senhora a cada um dos videntes durante a Aparição? Ou teriam eles escrito algo para desviar a curiosidade malsã dos que queriam saber aquilo que, só a eles, os videntes, foi dito pela Bela Senhora?
Em setembro de 1854, um Bispo inglês, Dom Newshan, visitou a Montanha da Salette. Encontrou-se com Melânia que lhe pareceu muito sofrida. Em Carta a Dom Ginoulhiac, Dom Newshan sugeriu que Melânia fosse à Inglaterra para um repouso. Dom Ginoulhiac lhe deu permissão, contanto que ela mesma, Melânia, consentisse em fazer essa viagem. Pessoas mal intencionadas acusaram, mais tarde, a Dom Ginoulhiac de ter desterrado a vidente, o que é historicamente falso.
Na Inglaterra, Melânia teve contato com o Convento das Irmãs Carmelitas de Darlington. Cativada pelo estilo de vida das Irmãs, solicitou a admissão no Convento. A 25 de fevereiro de 1855 recebeu o hábito de carmelita. A cerimônia pomposa foi para ela motivo de satisfação e vaidade. Deu início ao Noviciado. Professou os votos religiosos a 24 de fevereiro de 1856. Logo, porém, surgiram sinais de inquietação quanto ao modo de ser de Melânia.
Em setembro de 1860, ela quis retornar para França. Sua família estava em má situação. Foi a Marselha onde se encontrava sua mãe. Conheceu ali as Irmãs da Compaixão. Depois de ter passado algum tempo com as Irmãs Carmelitas em Marselha, foi acolhida no Noviciado das Irmãs da Compaixão, em outubro de 1864. Não podia, no entanto, dar-se a conhecer como vidente da Salette, sob a pena de ser excluída da Comunidade.
Nessa época, a Itália vivia convulsionada com movimentos revolucionários de caráter nacionalista, gerando conflitos político-religiosos. Alguns Bispos do Sul da Itália buscaram refúgio na região de Marselha. Melânia conheceu um deles, Dom Petagna, Bispo de Castellamare di Stabia, que ao voltar para a sua Diocese, deu proteção à vidente. Desligando-se da Congregação das Irmãs da Compaixão, Melânia foi morar em Castellamare di Stabia. Antes, porém, visitou a Montanha da Aparição, em abril de 1867. Na Itália ganhava precariamente a vida. Recebeu ajuda do Pe. Silvain-Marie Giraud, Superior Geral dos Missionários de Nossa Senhora da Salette.
Em 1879, Melânia julgou que era chegado o momento de publicar seu famoso “segredo”. Uma versão longa substituiria outras versões mais curtas, antes elaboradas. O texto final foi impresso em Lecce, no Sul da Itália. Dom Zola, Bispo da Diocese, lhe deu o “imprimatur”. O opúsculo contém a narrativa da Aparição e o chamado “segredo da Salette” é ali amplamente desenvolvido, mais do que a própria Mensagem da Bela Senhora. Trata-se, porém, não do “segredo da Salette” e sim do “segredo de Melânia”, uma piedosa e ingênua mulher que, envolvida por pessoas desequilibradas, externa seus fantasmas interiores, seus sofrimentos e desilusões. O texto se refere a metrópoles depravadas, a nações ímpias, ao Papa, ao Imperador, lança impropérios contra o Clero, prediz o nascimento do “Anticristo”. Trata-se de texto eivado de catastrofismo, de anticlericalismo, com traços de racismo. É inadmissível atribui-lo a Nossa Senhora. A reação da autoridade eclesiástica foi imediata e forte. O texto foi condenado. Dom Zola foi repreendido e seu processo de beatificação foi definitivamente suspenso, por causa desse “imprimatur” dado ao opúsculo de Melânia. Essa medida extremamente severa contra esse ato de Dom Zola foi confirmada por João Paulo II, em 1985. Outras condenações do “segredo de Melânia”, por parte da Santa Sé, ocorreram posteriormente.
Em 1884 Melânia voltou para a França, e morava em Cannes para cuidar da mãe enferma. Continuou a receber ajuda financeira da parte dos Missionários de Nossa Senhora da Salette. A mãe morreu a 1º de dezembro de 1889. Melânia, então, foi morar em Marselha. Nesse tempo, com a ajuda do Cônego De Brandt, da Diocese de Amiens, encantado pelo “segredo de Melânia”, ardoroso partidário de visões e revelações apocalípticas, tratou de fundar a Congregação dos “Apóstolos dos Últimos Tempos”. A autoridade eclesiástica se opôs. Contrariada, Melânia abandonou o projeto.
Em 1892 a pastora vidente da Salette voltou à Itália. Estabeleceu-se na Diocese de Lecce cujo Bispo era Dom Zola.
Em 1897, se transferiu para Messina, na Sicília, onde ajudou o Bispo Dom Annibale di Francia, hoje canonizado, a fundar uma Congregação feminina. Ali, a pedido de Dom Annibale, Melânia redigiu uma autobiografia.
Em 1899 ela se transferiu para Diou, no Allier, França, a convite de Padre Combe que a tomou sob sua proteção. Combe era monarquista, detentor exacerbado de visão apocalíptica de caráter político-religioso. Manipulava o “segredo de Melânia” segundo os próprios intentos. Combe também complementou a autobiografia de Melânia. Nessa autobiografia aparecem historietas de experiências místicas que a menina Melânia, antes da Aparição, teria vivido supostamente numa infância extraordinária, reflexo das fantasias da adulta Melânia a respeito de uma vida que teria gostado de viver e não viveu. Trata-se de retroprojeções e não de experiências reais. A infância de Melânia não corresponde historicamente aos sonhos que ela elaborou a respeito da própria infância. Seu “segredo”, depois das diferentes versões redigidas pela própria Melânia, e manipulado por mãos estranhas, não pode receber criteriosamente o qualificativo de “sobrenatural”.
O texto autobiográfico de Melânia, repassado por Combe a Léon Bloy, foi por este publicado em 1912, oito anos após morte de Melânia. Bloy, um patético, genial e genioso escritor francês, se deixou fascinar pela vida da pastora da Salette. Parece que, para ele, a Aparição da Salette é menos importante que a vida mística de Melânia. Para muitos, a partir disso, a pastora sobrepuja a Bela Senhora da Salette. Em torno de tais mistificações se organizou o movimento “melanista” que explora esse veio de misticismo. A publicação da autobiografia de Melânia foi condenada pela Santa Sé.
Aproximando-se do final de sua vida, Melânia esteve pela última vez na Montanha da Salette em 1902. Depois da narrativa da Aparição feita aos peregrinos presentes, narrativa idêntica à que ela havia feito a 19 de setembro de 1846, em Ablandens, deu a entender que tomava distância de toda a confusa história pessoal em que se envolveu, ao afirmar: -“Já não sei o que é meu e o que é de outros, mas o que se passou a 19 de setembro de 1846 é como acabo de vos contar”. A declaração revela uma distinção, por parte de Melânia, entre o que, na verdade, viu, ouviu e viveu na Aparição da Salette, e o que elaborou depois, a respeito desse evento grandioso, por influência perniciosa de outrem.
Em junho de 1903, Melânia voltou novamente para a Itália, estabelecendo-se em Altamura, na Província de Bari, sob a proteção de Dom Cechini, Bispo da Diocese. Morava sozinha numa pequena casa cedida por uma família benfeitora. Usava um hábito de religiosa embora não pertencesse mais a nenhuma Congregação. Levava uma vida de muita oração e penitência. Diariamente frequentava a Missa no Convento das Irmãs que Dom Annibale havia fundado com a ajuda de Melânia. No dia 15 de dezembro de 1904 não compareceu à Missa. Procurada em sua casa, foi encontrada morta. O Bispo, as Irmãs e grande multidão a sepultaram solenemente na Capela das Irmãs, em Altamura.
Era o fim de uma vida atribulada de cristã sincera. Apesar das limitações pessoais, das pressões alheias e da exploração por parte de pessoas desequilibradas ou mal-intencionadas, Melânia vivia uma profunda espiritualidade. Percorreu uma vida certamente virtuosa ao longo de uma trajetória existencial sofridamente tortuosa. Sua história pessoal teria suscitado outras repercussões na Igreja se ela tivesse tido uma sábia e firme orientação espiritual.
O acompanhamento pessoal recebido por Maximino e, sobretudo, por Melânia, após a Aparição da Salette, foi deficiente. Na vida errante que ambos tiveram, não viveram a necessária proteção contra a influência de certas pessoas, umas talvez de boa vontade, outras muito ingênuas em suas crendices, outras malévolas, outras ainda atraídas doentiamente pelo “extraordinário”, pelo “secreto” e “exótico” que invadiu a alma de Melânia.
Não é de se estranhar que “o céu tenha escolhido para a Salette, mensageiros tão primitivos, tão frágeis e também decepcionantes. Maximino e Melânia foram escolhidos como representantes do povo dos pequeninos, e não porque fossem crianças-prodígio. De resto, ao longo de toda história, Deus escolheu para si mensageiros e representantes frágeis. (...) Todos, porém, foram instrumentos nas mãos de Deus” (Pe. Jean Stern, MS).
Bibliografia: FASSINI, Atico. “SALETTE: DE VOLTA À FONTE”
Pe. Atico Fassini, MS